José por Paulo Coelho



Na pequena introdução que faço antes da prece, costumo lembrar que, das cinco vezes que a palavra “sonho” aparece no Novo Testamento, quatro se referem a José, o carpinteiro.
Em todos estes casos, ela está sempre sendo convencido por um anjo a fazer exatamente o contrário do que estava planejando.
O anjo pede que ele não abandone sua mulher, embora ela esteja grávida.
Ele podia dizer coisas do tipo “o que os vizinhos vão pensar”.
Mas volta para casa, e acredita na palavra revelada.
O anjo o envia para o Egito.
E sua resposta podia ter sido:
- “mas eu já estou aqui estabelecido como carpinteiro, tenho minha clientela, não posso deixar tudo de lado agora.”
Entretanto, arruma suas coisas, e parte em direção ao desconhecido.
O anjo pede que volte do Egito.
E José podia ter de novo pensado:
- “logo agora que eu consegui estabilizar de novo minha vida, e que tenho uma família para sustentar?”
Ao contrário do que o senso comum manda, José segue seus sonhos.
Sabe que tem um destino a cumprir que é o destino de quase todos os homens neste planeta: proteger e sustentar sua família.
Como milhões de Josés anônimos, ele procura dar conta da tarefa, mesmo tendo que fazer coisas que estão muito além de sua compreensão.
Mais tarde, tanto a mulher como um dos filhos se transformam nas grandes referências do Cristianismo.
O terceiro pilar da família, o operário, é lembrado apenas nos presépios de final de ano, ou por aqueles que tem uma devoção especial por ele, como é o meu caso, e como é o caso de Leonardo Boff, para quem escrevi o prefácio de seu livro sobre o carpinteiro.

Reproduzo parte de um texto do escritor Carlos Heitor Cony (espero que seja mesmo dele, porque descobri na internet!):

“ Volta e meia estranham que, declarando-me agnóstico, não aceitando a idéia de um Deus filosófico, moral ou religioso, seja devoto de alguns santos do nosso calendário tradicional.
Deus é um conceito ou uma entidade distante demais para os meus recursos e até mesmo para minhas necessidades.
Já os santos, porque foram terrenos, com os mesmos alicerces de barro de que fui feito, merecem mais do que a minha admiração.
Merecem mesmo a minha devoção.
- “São José é um deles.
Os Evangelhos não registram uma única palavra sua, somente gestos, e uma referência explícita:
- "vir justus".
Um homem justo.


Como se tratava de um carpinteiro, e não de um juiz, deduz-se que José era acima de tudo um bom.
Bom como carpinteiro, bom como esposo, bom como pai de um garoto que dividiria a história do mundo.”

Belas palavras de Cony.

E eu, muitas vezes, leio aberrações do tipo:


“Jesus foi para a Índia aprender com os mestres do Himalaia”.

Para mim, todo homem pode transformar em sagrada a tarefa que lhe é dada pela vida, e Jesus aprendeu enquanto José, o homem justo, o ensinava a fazer mesas, cadeiras, camas.
No meu imaginário, gosto de pensar que a mesa onde o Cristo consagrou o pão e o vinho, teria sido feita por José – porque ali estava a mão de um carpinteiro anônimo, que ganhava a vida com o suor do seu rosto e, justamente por causa disso, permitia que os milagres se manifestassem.

JOSÉ, O CARPINTEIRO
Os trinta anos que tu, José, viveste feliz ao lado de Jesus e de Maria constituem o que chamamos o período da vida "oculta" de Jesus.
Neste período, nada de maravilhoso, nada de sensacional, nada de brilhante.
O teu nome, "José", a tua profissão "carpinteiro" nada têm de brilhante.
A tua pessoa, "apenas um homem bom", não ostenta nada que nos cative pela modernidade, pela grandeza, pelo poder, pela sabedoria, pela eloquência.
Não temos no Evangelho uma só palavra tua...
Outros santos receberam nomes mais significativos e gloriosos: São Pedro "Apóstolo", São Miguel "Arcanjo", Santa Rita "Advogada dos Impossíveis", São Gregório "Magno"...
Tu, porém, José.
Simplesmente, José.
Tua figura contrasta com os nossos sonhos de vir a ser protagonistas, importantes, heróis, magnatas por vocação, cobiçadores de títulos pomposos de reis e rainhas, príncipes e nobres ou pelo menos doutores!
Perdoa-nos, José, se não te achamos interessante.
Se não aceitamos o teu jeito de ser.
Se, por favor e respeito, te achamos o "segundo-da-fila" mais ilustre da história humana.
Os escribas e os fariseus, querendo convencer a si mesmos e aos outros da pouca categoria de Jesus, perguntavam com desprezo:
"Não é este o filho do carpinteiro?"
Tu, José, deste o pão ao teu filho, ensinaste-lhe o trabalho da plaina, do serrote e do martelo, mas status e títulos de nobreza, não lhe deste.
As tuas mãos calejadas falavam em bom som da tua pouca categoria.
E essa foi a herança que transmitiste a teu filho.
Ele, como tu, um "carpinteiro".
As mesmas mãos calejadas que um dia desposariam a cruz, o mesmo martelo desgastado pelo uso, o suor das duas frontes, a tua e a do teu filho, caindo ao vaivém da plaina e do serrote, a mesma roupa surrada passada de pai para filho, a mesma oficina de quintal, a mesma linguagem mal concordada e o típico sotaque interiorano, a mesma comida pouca e monótona dos pobres de Nazaré, a mesma vontade louca de reencontrar, após o trabalho, aquela mulher maravilhosa, Maria, que amavas como esposa e Jesus, como mãe.
Perdão, José, se não te compreendemos.
Se não encarnamos as oito bem-aventuranças evangélicas, nem as oito mil renúncias que elas encerram.
Porque achamos que os pacíficos são alienados, que os que agüentam perseguição são faltos de coragem, que os misericordiosos são assistencialistas, que os pobres são incompetentes, que os mansos não têm caráter e que aos limpos de coração falta ousadia.
Os próprios evangelistas pouco dizem de ti.
Nunca citam uma palavra tua.
Não nos contam um só milagre saído das tuas mãos.
Nem escreveste uma só "epístola" aos nazarenos ...
Apenas nos dizem que eras justo, que eras um homem bom.
Um elogio de segunda classe que fazemos a qualquer um depois de morto.
Uma espécie de prêmio póstumo de consolação que atribuímos a alguém que não é nem muito sábio, nem muito poderoso, nem muito empreendedor, nem ministro, nem autoridade.
Tudo isso escondido na pessoa de um simples carpinteiro, de um zé-qualquer que encarnou como ninguém a humildade, o silêncio, o trabalho, a fidelidade.
Ensina-nos, São José, a ocupar com dignidade e decência o "segundo lugar da fila" do reino de Deus, na qual tu foste um colosso e na qual temos de atuar 99% dos mortais, que não somos heróis, nem ministros, nem primeiras-damas, nem artistas, nem idosos, nem miss universo, nem ouro, nem prata, nem bronze ...
Ensinam-nos a entrar e sair pela porta dos fundos da sociedade; a subir e descer pelo elevador de serviço da Igreja e do Reino de Deus.
A ser úteis, se necessário, na oficina de fundo de quintal, na mina e na construção, recolhendo lixo ou no serviço doméstico como Maria.
Sem que com isso fique diminuído um átimo da nossa dignidade e do nosso valor.
Foi assim que sustentaste Maria, fizeste crescer Jesus, o construtor do Reino.
A tua figura, José, não inspirou maiores escultores, pintores e poetas.
Colocam-te como figura decorativa e de terceira classe nas suas obras.
Apareces lá como um velhinho barbudo e decadente ao lado de uma jovem exuberante e de singular beleza.
Em nome de todos eles, prezado José, te pedimos perdão.
Em parte é tua a culpa, pois propositadamente quiseste desaparecer, encarnando o conselho de João Batista: "Convém que eles cresçam e eu diminua."
Mas ... José, porque és esposo de Maria, pai de Jesus, porque és preferido de Deus, padroeiro da Igreja, modelo de pai, nós te consideramos, junto com Maria, "o primeiro da fila" do Reino de Jesus, teu filho, a quem todas as gerações proclamam feliz e de ti se dizem, por toda a parte, grandes maravilhas.




MEU BOM JOSÉ (na voz de Rita Lee)
Composição: G. Moustaki / Versão: Nara Leão


Olha o que foi meu bom José

Se apaixonar pela donzela

Entre todas a mais bela

De toda a sua galileía

Casar com Deborah ou com Sarah

Meu bom José você podia

E nada disso acontecia

Mas você foi amar Maria

Você podia simplesmente

Ser carpinteiro e trabalhar

Sem nunca ter que se exilar

De se esconder com Maria

Meu bom José você podia

Ter muitos filhos com Maria

E teu oficio ensinar

Como teu pai sempre fazia

Porque será meu bom José

Que esse seu pobre filho um dia

Andou com estranhas ideias

Que fizeram chorar Maria

Me lembro as vezes de você

Meu bom José meu pobre amigo

Que desta vida só queria

Ser feliz com sua Maria





2 comentários:

  1. Lindo texto! Exatamente o que eu procurava para hoje! Obrigada por compartilhar conosco! Luz e bem!

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  2. Este texto de Paulo Coelho é um dos poucos que faz justiça a São José. Seu papel importantíssimo em proteger, dirigir e sustentar a SAGRADA FAMÍLIA pouco é valorizado. Bem, como instruir e participar, ativamente, da educação de Jesus.

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